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sábado, 1 de novembro de 2014

RALI DA CATALUNHA: AS CRÓNICAS DE JOÃO FERNANDO RAMOS

CRÓNICA 1 - 4ª FEIRA: Está quase a começar!


Cá estamos de volta à Catalunha para um dos mais difíceis ralis do WRC. O tempo tem que ser sempre muito bem aproveitado, por isso escolhemos os melhores desafios para ocupar estes nossos dias de aventura. No mini-programa do mundial, o Rali de Portugal e agora este.
Na verdade o rali começa muito antes, na preparação física para estarmos ao nível de uma prova desta dimensão, na garantia de apoios para esta presença no núcleo restrito onde estão os melhores pilotos do mundo e na preparação do carro que acompanhamos à distância com o nosso amigo Gaspar leite, que é um dos “cérebros” da RMC.
As últimas afinações no Mitsubishi foram feitas há um mês em Mortágua, num rali do campeonato nacional onde participamos apenas a pensar nesta corrida. Gostámos mesmo desta nova versão do EVO X.
Não é fácil conseguir estar aqui, e preparamos tudo para usufruir em pleno desta grande festa que arrasta até à Catalunha milhares de pessoas. É uma aposta fundamental do turismo desta região que nos encanta com propostas e convites de férias na “Costa Brava”. São mestres na promoção de uma imagem de qualidade que é muito mais que sol e praias e o público exigente dos ralis está no “target” deste turismo de classe média alta. Na frente do nosso carro mostramos orgulhosamente a marca Turismo Centro de Portugal, e na traseira, as emoções da serra da Lousã. Fazemos sempre o convite para nos irem visitar.
Como imaginam este rali começa muito antes da nossa primeira aparição numa especial, que será amanhã em Barcelona numa super-especial no centro da cidade que deve ter uma audiência simpática... Chegámos no domingo, a tempo de mudar a nossa vida e entrar em pleno no WRC. Segunda, verificações documentais e uma ida à praia para descontrair. Terça e quarta, reconhecimentos a acordar antes das sete da manhã, seis em Portugal e a chegar ao fim do dia. 
São muitos quilómetros plenos de atenção para termos as melhores nota de andamento para a corrida. Hoje foi o mais exigente desses dias com a especial mais longa da prova, cinquenta quilómetros de plena concentração onde não há um milímetro para falhar. Acho que é lá que se vai decidir o Rali. Na conversa desta tarde com o Latvala brinquei com isso, mas ele apenas sorriu. Não imagino o que será a luta entre ele e o Ogier, quando se ali chegar, sem nenhuma margem para erros. Gostei do troço, mas irei com muito, muito juízo para não estragar o carrinho...e terminar esta edição 50 do Rali da Catalunha.
Amanhã é dia de voltar a fazer um pequeno teste com o carro de prova e depois fazer a festa em Barcelona, já a sério. Há “maluquinhos” dos ralis por todo o lado. Salou é agora uma festa de muitas cores com muitos portugueses pelo meio. Amanhã levamos a nossa bandeira, orgulhosos por sermos do país que ainda tem um dos melhores ralis do mundo. Daremos notícias lá para a noitinha.

CRÓNICA 2 - 5ª FEIRA: Um rali no centro de Barcelona!

Esta edição do cinquentenário do rali da Catalunha está cheia de surpresas, mas estava longe de imaginar algum dia fazer uma especial nos jardins do complexo da FIRA, com partida na Praça de Espanha.
A organização admite que estariam mais de vinte e cinco mil pessoas nas escadarias a ver o mundial, e que terão passado por ali durante a tarde mais de cem mil pessoas.
Foi um momento único para a caravana do WRC, com uma imensa partilha entre pilotos e os aficionados deste desporto que chegam de tudo quanto é sítio. No meio da multidão descobri uma camisola do Porto e não foi difícil começar a conversa em Português, claro, sobre carros, sobre as especiais, onde se pode ver, a loucura que estava em Salou logo pela manhã para ver a partida. 
Há público por todo o lado, como todos gostamos. Em Espanha os ralis ainda são assim, como eram em Portugal quando eu era menino e subia a Serra da Lousã para ver passar os Audi, o Stratos, o Deltona, o 5Gt Turbo, o MG, os Ford RS200 e tantos outros. Agora as normas de segurança são mais apertadas, mas o público está lá sempre, por todo o lado, fazendo deste um desporto especial que leva os adeptos a correr milhares de quilómetros para estar em cada etapa do mundial. É bonito sentir o carinho que têm por Portugal, pela nossa forma de receber e pelo Rali. Serão muitos a rumar ao norte para o ano para fazer a festa.
A especial desta tarde era muito complicada. Estreita, escorregadia, com muitas armadilhas. O Janela recomendou cautelas e eu parti com algum receio. Não havia mesmo margem para o mais pequeno erro. Fizemos o nosso melhor, e o carrinho chegou impecável ao fim do dia, pronto para começar o dia de terra, antes de outros dois dias de asfalto.
À chegada, parte da nossa equipa de mecânicos, que ficam sempre sorridentes quando abrimos o vidro do carro e damos sinal de que está tudo bem. Esta é uma prova em que todos são importantes e onde quem veste a camisola da RMC sabe que tem que fazer o melhor para o carro estar perfeito. Hoje estava.
Amanhã, o dia começa muito cedo e vem aí a terra. Estarei de volta para vos contar as peripécias do dia.

CRÓNICA 3 - 6ª FEIRA: O verdadeiro banho de multidão!

Hoje a alvorada foi cedo para todos. Logo na primeira ligação percebemos que o trânsito iria ser um dos problemas do dia e foi mesmo... 
Carros, carros e mais carros com matrículas variadas desta Europa que adora o WRC e o segue por todo o lado. Como bons adeptos, exibem bandeiras, camisolas dos favoritos ou da terra de origem, chapéus ou até cachecóis, mesmo num dia a rondar os trinta graus. Há adeptos para todos os gostos. Sempre que vemos uma bandeira portuguesa tentamos parar, mas nem sempre o nosso tempo chega para tudo e lá fica um aceno ou um olá rápido antes de começar mais uma especial. Mesmo assim, hoje falámos com um grupo de Góis, outro de Fafe, outros que vieram de Famalicão, um grupo alargado que segue ralis por todo o lado e vem do Porto. Soubemos também que já chegaram os nossos amigos de Mortágua.
Percebemos na forma como contam o que já viram, o que gostam deste desporto. Estão por aqui umas larguíssimas dezenas de Portugueses a aplaudir o Bernardo Sousa e um tal de João Fernando Ramos... Antes que me esqueça, obrigado a todos pelo entusiasmo. Prometemos tudo fazer para levar o carro até ao fim. 
O nosso dia não foi propriamente fácil. Começámos com três classificativas de terra, tendo a última mais de trinta e cinco quilómetros com tudo aquilo a que temos direito... buracos, pedras no meio dos trilhos, piso muito escorregadio, um pedaço de asfalto muito sujo, depois um slalom no meio de um olival, uma subida cheia de saltos e uma parte final completamente a fundo no meio de uns muros que podiam muito bem estar mais afastados... um troço fabuloso... 
Não estragámos nada, mas para complicar a coisa, a afinação da nossa suspensão estava completamente errada e a traseira do Mitsubishi deu um trabalhão aos meus bracinhos... Como eu digo, um troço com muita mão-de-obra.
Depois de um almoço de massa, para não variar, uma nova ronda pelas três especiais que estavam muito degradadas. O carro estava melhor, mas a traseira continuava demasiado solta não inspirando a confiança que eu gosto.O dia terminou com o encontro com os mecânicos no parque de assistência. Eles ficam curiosos quando o carro chega e só sorriem depois de eu dizer que correu tudo bem. São pessoas imensamente dedicadas, grandes profissionais, que juntam o saber à paixão pelos ralis.
As fotos deste dia são deles a mudar o carro para asfalto. São trocadas as suspensões, travões, afinações de motor, proteções, confirmando tudo o que este dia de terra pode ter estragado no carro. São setenta e cinco minutos de intenso trabalho. Experimentem perguntar ao vosso mecânico quantos dias demora uma coisa destas e terão uma surpresa.
Amanhã é um dia longo, com Tivissa( 3.9 km), Escaladei (26.5km) e Coldejou(50 km) a cumprir por duas vezes. Coldejou poderá decidir o rali e até o mundial. Amanhã vos conto tudo sobre esta especial e sobre o nosso dia no Rali da Catalunha.

CRÓNICA 4 - SÁBADO: O dia da especial de 50 quilómetros!
A noite passou rápido e a manhã tinha reservada uma estreia para mim no mundial de ralis, uma especial em asfalto com meia centena de quilómetros. 
O dia começava com um pequeno aperitivo, e depois Escaladei. Sabíamos que a parte final estava muito suja, que a parte inicial é muito encadeada a exigir tudo do piloto e do carro e que no miolo tinha meia dúzia de retas muito rápidas que permitiam respirar. Nos reconhecimentos já tinha percebido que este seria um troço para se tornar mítico neste rali. A primeira parte de Escaladei é o antigo Priorat, que tem aquele gancho que está em todas as belas fotos deste rali. Foi por lá que começamos e fizemos o nosso melhor deixando escorregar o carro até uma bandeira portuguesa rodeada de um grupo dos “nossos” . É fabuloso ver a nossa bandeira em tantas curvas. Tenho que vos dizer de novo, obrigado!
Chegámos à entrada de Escaladei e confesso que fiquei apreensivo. Como seria fazer tantos quilómetros naquele ritmo? Como iriam resistir os braços, as costas e principalmente a concentração a tamanho desafio? E o carro ?
O dia esteve particularmente quente e as coisas não se adivinhavam fáceis. O Janela recomendou concentração e sorriu.  - Diverte-te e guia com alegria!
Foi o que fiz! A meio os pneus começaram a ceder, os travões pediam sempre mais força para responder. A parte final, completamente encadeada, sem nenhuma reta com mais de 50 metros, estava completamente cheia de terra. Cada curva era uma armadilha e o número de carros fora de estrada confirmava a dureza daquele troço. Chegámos ao fim da primeira passagem com uma enorme sensação de alívio. Tínhamos conseguido e agora era só mais uma especial de 26,4 quilómetros, coisa pouca e estávamos com o dia meio ganho.
Na tarde, novo desafio. Estávamos a preparar os capacetes e pára um carro do outro lado da estrada de onde saiu o Presidente do ACP. Foi bom aquele abraço do Carlos Barbosa que vê também aqui que a festa dos ralis tem outra dimensão quando temos muito público, bem comportado, em todas as especiais. Para o ano tem que voltar a ser assim em Portugal.
A segunda passagem em Escaladei foi ainda mais complicada. Os pneus aqueceram ainda mais cedo, e o final estava ainda mais cheio de terra e pedras. Não sei como não furámos, mas lá conseguimos manter intacto o EVO X ao fim do dia. A festa seguiu depois na super-especial de Salou e no parque de assistência, onde era difícil conseguir romper no meio de tantos adeptos deste fabuloso desporto.
Voltamos amanhã à estrada às 7:48 para as últimas quatro especiais do Rali da Catalunha, edição do cinquentenário. E que bela edição! Até amanhã com um abraço!!

CRÓNICA 5 - Domingo: Já estou com saudades...

Foi tão saboroso terminar este rali. Nada foi fácil, mas com uma bela equipa e uma excelente planificação chegámos ao fim no 48º lugar. A classificação é o menos importante, as provas duras ou se ganham ou terminam-se. Estamos no lote dos 56 pilotos que venceram o desafio na edição número cinquenta, deste que é considerado por todos um dos mais bonitos e bem organizados ralis do WRC. Este ano foi uma festa incrível, com os troços repletos de público.
A nossa manhã começou com a especial dos cogumelos. O nome verdadeiro é La Mussara, mas quando vamos reconhecer estes loucos 20,4 quilómetros, há gente por todo o lado, a apanhar cogumelos. O Janela gosta desta PEC pelo nome meio árabe, eu gosto pelo traçado que é exigente em todos os centímetros. Começa numa zona rápida, muito estreita com piso irregular onde ultrapassamos os 200 quilómetros hora em vários pontos. Pelo meio várias curvas apertadas com travagens fortes e saídas a escorregar. No final uma dúzia de quilómetros completamente encadeados a pedir tudo aos travões e ao piloto. Nada respira naquelas curvas, nem os travões, os diferenciais, os pneus, o navegador... e o piloto.
As notas de andamento são qualquer coisa como isto: direita 2, fica para esquerda 2 menos, 10 metros, direita 2, logo esquerda 3 a fechar na saída, 20, esquerda 3...trava forte para esquerda...atenção escorrega, está suja...cuidado...estreito... UFA!!...
Chegámos ao fim e quando tentei parar o carro depois do stop o pedal dos travões bateu no fundo...e nada...Os senhores que iam confirmar os pneus lá se desviaram e a coisa correu bem. Parámos com o travão de mão...e lá deixámos a máquina arrefecer para tudo voltar ao normal.
A segunda especial foi Riudecanyes (15,55 km). É um traçado exigente, mas sem grandes dores de cabeça. Parámos na assistência e recomeçou a segunda volta pelas mesmas duas especiais. O carro foi todo revisto, os travões sangrados, pastilhas e discos acertados e ficou tudo novo.
Na entrada dos “cogumelos”, já prontos para partir fomos informados que havia um acidente e que o troço iria ser neutralizado. Significou fazer a especial em “passeio”. Foi um momento bonito com o público a vir para as bermas da estrada a aplaudir aquela parte final do pelotão do mundial. Fomos o tempo todo a acenar, partilhando com todos a festa de estar quase a terminar um rali destes. Não sei como foi ali parar tanta gente, mas estava particularmente bonita a moldura de adeptos que se deliciou com um rali competitivo e com os pilotos a darem sempre o seu melhor.
Fizemos a última especial com sabor a despedida, mas empenhados em não deixar chegar à nossa traseira um “bravo” que tripulava um Peugeot e estava apostado em “dar uma malha” nestes “velhinhos”. Não teve esse prazer... 
Depois a assistência, com a felicidade estampada no rosto de todos. Tínhamos conseguido, eu e o Janela, mas também todos os que prepararam o carro e nos apoiaram nesta aventura no WRC. Recebemos a medalha, celebrámos com a equipa e depois um banho de bar e duas “fresquinhas”... para fazer descer a temperatura.
Já estou com saudades deste fabuloso carro que espero voltar a tripular no Rali de Portugal do próximo ano e voltar aqui à Catalunha. Não me levem a mal, mas adoro este rali. Obrigado a todos, voltaremos!

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